Páginas

terça-feira, 15 de outubro de 2013

UM NOVO OLHAR SOBRE O TTP - TRABALHO A TEMPO PARCIAL
Maria Lúcia Cardoso de Magalhães (Desembargadora Federal Vice-Presidente Administrativo do TRT da 3ª Região - MG).

A flexibilização preserva a essência do Direito Laboral. Permite a concretização do ideal de Justiça Social e equilíbrio entre forças contrapostas, na medida que proporciona a distribuição eqüitativa tanto dos aspectos positivos (bens, serviços, empregos, etc.) como dos aspectos negativos (carências, esforços para alcançar melhores condições de vida, etc.). Não privilegia o econômico em detrimento do social, mas os harmoniza.
I INTRODUÇÃO
A flexibilização é uma tendência irreversível do Direito do Trabalho moderno e não significa necessariamente uma diminuição do arcabouço protetivo do trabalho, mas, tão-somente, uma mudança na forma de conduzir a prestação de serviços.
Abandona-se a preocupação exacerbada com o trabalhador, individualmente considerado, e volta-se, cada vez mais, para a empregabilidade e o desenvolvimento econômico uniforme. Obviamente, tais medidas não são capazes de equacionar problemas estruturais graves, como a má distribuição de renda, todavia, possibilitam o tão decantado desenvolvimento econômico - verdadeiro gerador de empregos.
A institucionalização do emprego de meio período é medida salutar, porque, se não é capaz por si só de gerar empregos, permite a empregabilidade de trabalhadores, normalmente discriminados no mercado de trabalho, como as mulheres casadas, estudantes e pessoas idosas. É útil igualmente para fazer frente à
necessidade de mão-de-obra sem muita especialização, principalmente, no setor de serviços, bem como para o atendimento de necessidades das microempresas, importante elemento multiplicador da economia. Ademais, a regulamentação trazida pela Medida Provisória n. 1.709/98 nada mais fez do que legalizar uma situação que os tribunais laborais já vêm respaldando há anos, ou seja, o pagamento de salário proporcional à jornada de trabalho. 

II PRINCÍPIOS GERAIS DO TRABALHO A TEMPO PARCIAL
A OIT adotou a Convenção n. 175, de 24.06.1994 e a Recomendação n.182 para estabelecer os seguintes princípios gerais para o TTP -Trabalho a Tempo Parcial:
a) entende-se por trabalhador a tempo parcial um empregado cuja jornada de trabalho normal é inferior a dos trabalhadores a tempo integral;
b) a jornada deverá se referir a uma média semanal, ou outro período fixo de tempo;
c) os trabalhadores a tempo parcial devem ser objeto dos mesmos direitos que os trabalhadores a tempo integral, especialmente no direito de se organizar em sindicatos, de firmar convenções ou acordos coletivos de trabalho, de agir como representantes dos trabalhadores e de não sofrer qualquer discriminação no
emprego;
d) o salário dos trabalhadores a tempo parcial deve, tomando-se por base o valor horário, ser igual ao dos trabalhadores a tempo integral, se calculado na mesma base;
e) os trabalhadores a tempo parcial devem ser objeto de proteção pelos institutos de Previdência Social ainda que as condições dessa proteção sejam determinadas em proporção às horas de trabalho;
f) os trabalhadores a tempo parcial devem ter os mesmos direitos dos trabalhadores a tempo integral, especialmente no que diz respeito à proteção à maternidade, à indenização pela dispensa imotivada, ao repouso semanal remunerado e aos feriados, à licença por doença, etc.;
g) devem ser adotadas medidas para facilitar a admissão de trabalhadores a tempo parcial, inclusive com a revisão de leis e regulamentos que impeçam ou desencorajem essa modalidade de contrato, dando-se preferência na contratação aos desempregados, idosos, trabalhadores portadores de deficiências físicas, trabalhadores com família e aqueles que estão em treinamento ou estudando;
h) devem ser adotadas medidas que assegurem a livre transformação de um trabalhador a tempo parcial em por tempo integral, e vice-versa.
Observa-se claramente o desejo e a recomendação expressa da OIT de facilitar e incentivar de todo modo a contratação a tempo parcial, demonstrando a plena aceitação dessa nova modalidade contratual pelo Direito Internacional do Trabalho, como bem nos afirma Carlos Henrique da Silva Zangrando.

III  O TTP NA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
Uma das funções principais da OIT é a de prestar assistência aos países para fomentar o emprego produtivo e livremente executado, com o escopo de lograr o objetivo final do pleno emprego.
São prioridades em matéria de emprego: analisar os efeitos que têm as políticas econômicas em emprego; formular políticas ativas de mercado de trabalho para aumentar a oferta de mão-de-obra; atender às necessidades em matéria de emprego; encontrar respostas a um grande número de problemas relativos ao
mercado de trabalho.
O ano de 1994 foi decisivo para a emanação de regras internacionais a título de trabalho a tempo parcial, surgindo a Convenção n. 175 e a Recomendação n. 182 da Organização Internacional do Trabalho, que foram muito bem analisadas por Marco Antônio César Villatore em brilhante artigo cujas observações
transcrevemos a seguir:
A definição de trabalhador a tempo parcial é encontrada no artigo 1º, letra “a”, da supracitada Convenção, como sendo “todo trabalhador assalariado cuja atividade laboral tenha uma duração normal inferior a dos trabalhadores a tempo integral em situação comparável.”
Já na alínea “d” do mesmo artigo, acima citado, não serão considerados trabalhadores a tempo parcial os trabalhadores a tempo completo que se encontrem em situação de desemprego parcial, ou seja, aqueles que sejam afetados por uma redução coletiva temporal da duração normal de seu trabalho por motivos econômicos, tecnológicos ou estruturais.
Pelo artigo 3º do mesmo diploma, estabelece que as regras são aplicáveis a todos os trabalhadores a tempo parcial. As organizações representativas dos empregadores e dos empregados, porém, poderão excluir total ou parcialmente algumas categorias particulares de trabalhadores ou de estabelecimentos, toda vez que a inclusão de tais categorias possa trazer problemas particulares de especial importância.
Os Estados-membros devem adotar medidas para assegurar que os trabalhadores a tempo parcial recebam a mesma proteção de que gozam os trabalhadores a tempo integral em situação comparável. Além disso devem possuir condições equivalentes no sentido de férias anuais pagas; de rescisão do contrato de trabalho; de feriados pagos; de proteção à maternidade e de licença enfermidade.
Deverá ser assegurado aos trabalhadores em tempo parcial, que não percebam um salário básico, um cálculo proporcional sobre base horária dos trabalhadores a tempo integral, que estejam em situação comparável.
Devem ser adotadas todas as medidas para facilitar o acesso ao trabalho a tempo parcial, produtivo e livremente eleito, que responda às necessidades dos empregadores e dos empregados.
Novamente, no artigo 10 da Convenção n. 175 da OIT, fica estabelecido que deverão ser adotadas medidas para que a passagem de um trabalho integral para um trabalho a tempo parcial, ou vice-versa, seja voluntário, de conformidade com a legislação e a prática nacionais.
A base da Recomendação n. 182 da Organização Internacional do Trabalho é a mesma da Convenção n. 175 do mesmo organismo. Aliás, no artigo 1º da Recomendação ora analisada, é estabelecido que as suas disposições deveriam ser consideradas em conjunto com as da Convenção sobre o trabalho a tempo parcial.
De acordo com a legislação e a prática nacionais, os empregadores deveriam celebrar consultas com os representantes dos trabalhadores interessados sobre a adoção ou extensão em grande escala do regime de trabalho a tempo parcial, também sobre as regras e procedimentos aplicáveis a esse tipo de trabalho e as medidas de proteção e de fomento que se estimem convenientes.
Os trabalhadores a tempo parcial deveriam ser informados acerca de suas condições específicas de emprego por escrito, ou por qualquer outro meio, conforme a legislação e a prática nacionais.
O art. 6º da referida Recomendação estabelece que, de conformidade com o artigo de mesmo número da Convenção n. 175 da OIT, deverão ser garantidas as regras mínimas de segurança social, como prestações por idade, de enfermidade, de invalidez e de maternidade, dentre outros direitos, com o fim de igualar empregados contratados a tempo integral àqueles contratados a tempo parcial.
Devem ser garantidos os requisitos mínimos de acesso ao seguro privado para contemplar os direitos garantidos pela segurança social.
A transformação de contrato a tempo parcial para contrato a tempo integral, ou vice-versa, possui  orientações na Recomendação n. 182 da OIT, como no caso de constantes informações sobre os direitos existentes na modificação de contratos e, também, a disponibilidade de postos em cada um dos tipos de contrato deve ser tomado em consideração o pedido do empregador ou do empregado para a transformação em outro contrato.
A negativa do empregado em transformar o seu contrato, a pedido do empregador, não pode ser motivo para sua dispensa. Como analisado acima, no brilhante artigo de Marco Antônio César Villatore, a Recomendação sobre trabalho a tempo parcial possui a mesma base encontrada na Convenção do mesmo título, inclusive ocorrendo de a primeira estabelecer orientações em conformidade com a segunda. A Recomendação, conforme § 6º do artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, obriga os seus membros, em um ano da data da Assembléia que elaborou, a repassar as suas orientações à autoridade ou às autoridades a quem compete o assunto, para que possam ser tomadas as medidas necessárias para a sua adoção. Porém, o mesmo artigo e parágrafo afirmam que não é obrigatória a aplicação de suas orientações pelo membro da organização.

IV CONTRATO DE TRABALHO A TEMPO PARCIAL
a) Conceito
Contrato de trabalho a tempo parcial é o contrato de trabalho especial onde a jornada semanal de trabalho não puder ultrapassar as 25 (vinte e cinco) horas.
Essa nova modalidade de contrato de trabalho foi introduzida em nossa legislação trabalhista pela MP n. 1.709/98, e regulamentada por sucessivas Medidas Provisórias.
Não se confunde com contrato de trabalho provisório, instituído pela Lei n. 9.601/98 e nem com o contrato de trabalho temporário, regido pela Lei n. 6.019/74.
Sua principal característica se encontra na limitação especial da jornada de trabalho, que é muito inferior à jornada máxima normal de 44 horas semanais,instituída pela CF/88 (art. 7º, XIII).
O trabalho em regime parcial poderá ser adotado tanto pela contratação originária nesse sistema quanto através de alteração do contrato de trabalho dos empregados já contratados em regime de tempo integral, manifestado de acordo com o previsto em norma coletiva de trabalho.
A opção pela mudança do regime pelos trabalhadores já contratados em regime integral dar-se-á sem perda das garantias trabalhistas previstas em lei ou no regulamento empresarial.
A alteração contratual do empregado já contratado pelo regime de tempo integral deverá observar os preceitos determinados na norma coletiva. De qualquer modo, também se recomenda sejam observadas algumas formalidades, como o documento escrito e a presença de testemunhas.
Outras características especiais do contrato a tempo parcial são a proibição da prestação de horas extras, a isonomia salarial e o período de férias que são duramente criticados por alguns juristas, como veremos com maiores detalhes adiante.
b) Natureza jurídica
Na feliz lembrança de Mauricio Godinho Delgado, Encontrar a natureza jurídica de um instituto do direito [...] consiste em se apreenderem os elementos fundamentais que integram sua composição específica, contrapondo os, em seguida, ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas [...], de modo a classificar o instituto enfocado no universo de figuras existentes no direito. O contrato de trabalho a tempo parcial possui natureza jurídica de contrato de trabalho especial, regido por normas próprias mas, ainda assim, sujeito a todos os princípios e regras que regulamentam o contrato de trabalho comum.
Daí se depreende a necessidade de registro na CTPS, observância das normas convencionais ou normativas referentes à categoria profissional a que pertença o trabalhador, bem como a satisfação de todas as demais exigências formais e legais, como aquelas referentes à segurança e medicina do trabalho.
c) Duração do contrato
Nada impede que a contratação a tempo parcial seja efetuada também por tempo determinado. Com efeito, como bem assinala Carlos Henrique da Silva Zangrando, em artigo já citado, hão de se observar apenas as hipóteses previstas em lei (CLT, art. 443, § 2º), a saber:
a) serviços cuja natureza ou transitoriedade justifiquem a determinação doprazo;
b) atividades empresariais de caráter transitório;
c) contrato de experiência;
d) quando autorizado expressamente por lei.
Os limites máximos legais (90 dias para o contrato de experiência e dois anos para os demais contratos por tempo determinado) também são aplicáveis ao trabalhador a tempo parcial.
Outrossim, nada impede que o contrato a tempo parcial seja utilizado apenas em algumas épocas do ano. Assim, por exemplo, um empregado contratado sob o regime de período integral, em determinada época, seja por interesse próprio (p.ex. freqüentar um curso de especialização), da empresa (p. ex. diminuir a produção para eliminar estoques) ou de ambos, poderá alterar o contrato para o regime de tempo parcial, ainda que por um período determinado, retornando depois para o regime de tempo integral. Deverão, no caso, ser observadas as modalidades previstas no instrumento coletivo de trabalho, como afirmamos em item anterior.
d) Jornada de trabalho e intervalos
Os empregados contratados por essa modalidade especial de trabalho a tempo parcial não poderão laborar em jornada semanal superior a 25 horas.
Ao estabelecer a jornada máxima, deixou o legislador em aberto a possibilidade de contratação por jornadas inferiores (p.ex. 2, 3 ou 4 horas por dia).
Consolidou-se assim o entendimento de que no que se refere ao salário mínimo ele deve guardar proporcionalidade com a quantidade de horas efetivamente laboradas. Permite-se, assim, que, no mês, o trabalhador possa receber salário
total inferior ao dobro do mínimo legal, quando a jornada livremente contratada for inferior a 8 horas diárias, ou 44 horas semanais.
Quanto aos intervalos, se tomarmos como base o módulo de 25 horas semanais, de segunda a sexta-feira, teremos um módulo diário de 5 horas de trabalho, o que torna necessária a concessão de um intervalo de 15 minutos, não sendo computado na jornada diária, contudo, se ultrapassado o limite de 6 horas diárias, já que o limite máximo diário ainda é de 8 horas, o intervalo intrajornada será de no mínimo 1 hora (CLT, art. 71, § 1º).
O intervalo interjornada não sofreu nenhuma alteração, prevalecendo o limite mínimo de 11 horas (CLT, art. 66). No mesmo sentido, tem direito ao repouso semanal remunerado, o qual deve recair, preferencialmente, num domingo (CLT, art. 67 e Lei n. 605/49), sendo igualmente permitido o trabalho em regime de escala
de revezamento.
A questão do salário, das horas extras, e das férias são objeto de severas críticas e serão analisadas no próximo tópico.

V CRÍTICAS ÀS INOVAÇÕES DA MP N. 1.709/98
No Brasil, o TTP - Trabalho a Tempo Parcial - vem sendo regulamentado através de Medidas Provisórias, sendo que a primeira data de 07.08.98 que entrou em vigor sob o n. 1.709 e, posteriormente, sofreu algumas alterações e foi reeditada diversas vezes.
É bom recordar, desde logo, como bem acentua José Affonso Dallegrave Neto, “que a contratação de trabalho a tempo parcial já era (e ainda é) possível pelo regime jurídico da CLT, antes mesmo do advento da MP n. 1.709/98.”
Acrescenta o referido autor que “Por óbvio que nestas condições deve-se observar

Nenhum comentário: